Com ‘penduricalhos’, juízes deixam de pagar R$ 360 milhões em tributos
Um conjunto de 18 mil juízes brasileiros, de 81 tribunais federais e
estaduais, deixa de pagar cerca de R$ 30 milhões por mês de Imposto de Renda
graças à isenção tributária de benefícios como auxílio-moradia,
auxílio-alimentação e auxílio-saúde. Se os chamados penduricalhos fossem
tributados da mesma forma que os salários, cada juiz teria de repassar, em
média, 19% a mais para a Receita Federal. Como a grande maioria dos auxílios
concedidos pelo Poder Judiciário tem valor fixo e pagamento mensal, é possível
projetar que essa espécie de renúncia fiscal alcance R$ 360 milhões por ano -
aproximadamente R$ 20 mil por juiz, em média. Nas últimas semanas, líderes da
categoria e juízes de grande expressão pública - entre eles Sérgio Moro,
titular da 13.ª Vara Federal de Curitiba e responsável pela Operação Lava Jato
na primeira instância - procuraram justificar o recebimento generalizado de
auxílio-moradia, mesmo entre os proprietários de imóveis, como uma forma de
complementação salarial. Se os benefícios são vistos como salários, não deveria
haver tratamento tributário diferenciado, argumentam críticos de privilégios no
Judiciário. "Então tem que incluir no teto e pagar imposto de renda. Será
que um dia a lei será igual para todos neste país?", escreveu a economista
Elena Landau, em postagem no Twitter, ao reagir à afirmação de Moro de que o
auxílio-moradia compensa a falta de reajuste salarial no Judiciário desde 2015.
Para estimar o "bônus tributário" dos juízes, o Estadão Dados
analisou as folhas de pagamentos, relativas aos meses de novembro e dezembro,
de todos os tribunais federais e estaduais que enviaram dados salariais ao
Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ficaram de fora do levantamento apenas os
juízes que não receberam auxílios ou que, por serem aposentados, não têm
desconto de imposto de renda na fonte. Foram calculados o valor tributável de
cada contracheque e o impacto que haveria em cada um deles caso o imposto
incidisse também sobre os penduricalhos. Em novembro, essa diferença foi de R$
29,8 milhões. Em dezembro, mês de pagamento do 13.º salário, chegou a R$ 30,3
milhões. Nos contracheques dos juízes, os rendimentos incluem, além dos
salários, outros itens agrupados em três campos: "direitos pessoais",
"direitos eventuais" e "indenizações". Na média da folha de
novembro, os salários correspondem a 60% do total de rendimentos, e os demais
itens a 40%. O auxílio-moradia é enquadrado legalmente como indenização e, como
tal, não é sujeito a cobrança de imposto. Estão na mesma categoria o
auxílio-alimentação, o auxílio-saúde, o auxílio-natalidade e "ajudas de
custo" diversas. Também por ter caráter "indenizatório", e não
remuneratório, o auxílio-moradia não é levado em consideração no cálculo do
teto do salário dos juízes. Assim, a maioria ultrapassa o limite de
remuneração, que atualmente é de R$ 33,7 mil por mês. Há diversas ações judiciais
que contestam o caráter indenizatório do auxílio-moradia. Desde 2015, graças a
uma decisão liminar do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, o
benefício é pago de forma generalizada, e não apenas aos juízes que são
obrigados a trabalhar em local diverso de sua residência tradicional. O valor
chega a R$ 4.378 por mês. Para o presidente da Associação dos Magistrados
Brasileiros (AMB), não há ilegalidade na concessão generalizada do benefício
(mais informações nesta página). "O Supremo vai decidir se a natureza da
verba é indenizatória ou remuneratória", observou. "Se for
remuneratória, deve incidir Imposto de Renda. Mas aí se coloca um outro
problema: as verbas indenizatórias, como o auxílio-moradia, são dadas apenas
para juízes na atividade. Aposentados não recebem, porque não trabalham e,
portanto, não teriam que ter residência oficial. Se (o STF) entender que o
caráter da verba é remuneratório, o efeito pode estender isso a todos os
aposentados também." Para o professor de Direito Tributário da USP Luiz
Eduardo Schoueri, o auxílio-moradia tem caráter de verba indenizatória, por
exemplo, quando um soldado do Exército é deslocado para a fronteira a trabalho.
No caso do Judiciário, é diferente. "É um salário indireto. Se não tem
caráter de reparação, é renda." "A lei trata como indenização o que a
pessoa recebe em virtude de uma perda a ser reparada", disse Heleno
Torres, colega de departamento de Schoueri. "É preciso compreender o
limite do conceito de indenização. O que não tem natureza obrigatória deve ser
oferecida sempre à tributação.
Fonte:Bahia Notícias





