Infância: período mágico em nossas vidas
Contando
atualmente com cinquenta e um anos de idade, mais de meio século de existência,
como não lembrar do nosso período de infância? Fase memorável das nossas vidas,
a infância nos marca fundamente, considerando a magia que a caracteriza, em
razão principalmente de não termos maiores preocupações, pois estas, naquela
época, diziam respeito apenas aos nossos pais, os quais se esmeravam para nos
manter.
Nascemos
em Paramirim, uma pequena cidade do interior baiano, e o destino a nós
reservado nos conduziu, aos quatro anos de idade, a nos instalarmos na capital,
considerando a necessidade da profissão do nosso genitor, o qual, assim como
nós, era policial militar. Inobstante isso, precisávamos estudar, e a capital
favorecia esse processo. Desta forma, deixamos aquele cantinho do mundo que
tanto adorávamos e rumamos para a "cidade grande", com todas as
dificuldades de tal empreitada! As férias escolares naquela época eram muito
mais dilatadas do que agora, pois fruíamos um mês no meio do ano, e
praticamente quatro no final, se passássemos direto, sem fazer prova final ou
recuperação. Era um excelente período para tornarmos à nossa amada terra natal
e "matarmos" a saudade que tanto nos atormentava!
Na
verdade, não gostávamos muito de ficar na cidade. Queríamos mesmo era ir para a
roça, para a Fazenda São João, da nossa saudosa avó materna, a qual sempre nos
recebia com imenso carinho e paciência, pois nos atendia em quase tudo! Há quem
diga que os pais educam para os avós deseducarem!
Antigamente,
na década de setenta, a viagem até Paramirim era muito demorada e cansativa,
pois havia ônibus apenas de Salvador para Vitória da Conquista, cidade onde
fretávamos uma Rural com os amigos conterrâneos, a fim de levar-nos à cidade
querida. Lembramo-nos de uma ocasião em que fomos de Conquista à Paramirim por
sobre as malas e bagagens nos fundos de uma dessas Rurais! E isso não
representava qualquer sacrifício para nós, já que o que mais queríamos era
chegar ao nosso saudoso destino! O gostar da fazenda era tanto que, numa
ocasião, saímos de ônibus de Salvador, e este nos deixou defronte à cancela
daquela herdade, e nós não acreditávamos que já estivéssemos naquele lugar
maravilhoso, a ponto - acreditem - de darmos um beliscão em nosso próprio braço
pra sentir se era verdade, se era real! Coisas da infância!
Acordávamos
cerca de quatro e meia da manhã e ficávamos a observar o telhado do quarto,
para ver se aparecia algum ponto claro, pois, se positivo, era sinal de que já
podíamos levantar, aliado - é claro - aos primeiros cantos dos pássaros, os
quais sinalizavam a chegada de mais um novo dia! Escovávamos os dentes,
pegávamos um copo, colocávamos um pouco de açúcar e rumávamos diretamente para
o curral, que ficava ao lado da casa! Fazíamos o desjejum com dois copos de
leite, direto da fonte: as tetas da vaca! Hummm ... mas como era saboroso!
Dalí, saíamos para caçar, com os nossos estilingues, embrenhando pelo cerrado à
cata dos pássaros! As capangas - bolsas velhas das nossas mães e irmãs - eram
cheias de pedras, para não ficarmos sem "munição"! Retornávamos à
casa para o café da manhã, logo em seguida voltando para caçar! Desta vez já
direcionando ao rio que passava nos fundos da casa, a fim de
"tratarmos" as aves abatidas e tomarmos aquele banho! Após banharmos
naquele rio quase sempre perene, íamos cavalgar! À tarde, com os mesmos
cavalos, apartávamos o gado para a retirada do leite no dia seguinte! Como era
bom! Sem preocupação com dinheiro, com contas a pagar... Era somente diversão!
Em meio a
tudo isso, saíamos à procura de imbus, no cerrado - quando era tempo -, e de
casas de abelhas, estas exploradas sempre às noites de lua cheia, onde
extraíamos o néctar do puro mel! Saborosíssimo! Quando vinham de São Paulo os
filhos da terra, era aquele foguetório! E ouvíamos dizer: "é o filho de
fulano.. de beltrano, que chegou de 'sunpaulo'..". E os nossos parentes
próximos, como primos que vinham da capital paulista, choravam copiosamente na
semana que deveriam voltar àquela megalópole! Assim, podíamos ver e acompanhar
sorrisos e entregas de presentes na chegada; choros e melancolia quando se
aproximava o momento da partida!
Mas o
tempo nos faz entender algo que não enxergávamos naquela época, em razão da
nossa condição de criança e adolescente! De imaturos! De compreendermos que na
vida tudo passa! De sabermos que o encantamento do lugar que amávamos não se
traduz pelo lugar em si, mas pelas pessoas que o compunham naquela ocasião! Sem
as pessoas, o lugar perde o seu sentido e a sua magia!
* Por Irlando Oliveira
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* Irlando
Lino Magalhães Oliveira é Oficial da Polícia Militar da Bahia, no posto de
Major do QOPM, atual Comandante da 46ª CIPM/Livramento de Nossa Senhora, e
Especialista em Gestão da Segurança Pública e Direitos Humanos.