Reforma trabalhista não vai criar nenhum posto de trabalho, diz presidente do TRT-2
O desembargador
Wilson Fernandes, presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (que
abrange São Paulo, Região Metropolitana e Baixada Santista), é enfático ao
dizer que a reforma trabalhista, sancionada nesta quinta-feira
(13) pelo presidente Michel Temer e publicada no dia seguinte no
Diário Oficial, não vai aumentar o número de postos de trabalho. “Ela tem sido
vendida com a ideia de que vai combater o desemprego. Isto, segundo minha
avaliação, é um equívoco muito grande”, diz.
Além do fato de que os argumentos
utilizados para mudar a lei, em muitos pontos, são equivocados, o desembargador
destaca que, em sua opinião, os problemas diretamente relacionados ao enorme
desemprego de cerca de 14 milhões de pessoas, hoje, no país, é a economia. “É a
alteração da economia que vai trazer novos emprego”, afirma. “O país vive uma
crise política. Esta crise está gerando uma crise econômica, que tem gerado
desemprego.”
Para ele, também ao contrário dos
argumentos dos que trabalharam pela construção da reforma trabalhista, “a lei
não traz segurança jurídica”. O que daria ao sistema essa chamada segurança “é
a interpretação reiterada, uniforme dos tribunais ao longo do tempo”.
Fernandes falou à RBA:
O que o sr. diria aos
trabalhadores a respeito de como a reforma trabalhista os afetará?
É importante que o trabalhador
compreenda que esta reforma não é a chave para a solução do emprego no país.
Ela tem sido vendida com a ideia de que vai combater o desemprego. Isto,
segundo minha avaliação, é um equívoco muito grande. O país vive uma crise
política. Esta crise está gerando uma crise econômica, que tem gerado
desemprego. Com a crise, os empresários tendem a resistir ao investimento. Isto
provoca retração ao investimento, e nada tem a ver com legislação trabalhista,
que é a mesma há muitas décadas, com pequenas alterações, e nunca inibiu
investimento. Há alguns anos tínhamos índice de desemprego muito baixo com a
mesma legislação. Imaginar que mudando a lei vão surgir novos empregos
não me parece uma conclusão adequada.
A experiência em
outros países mostra o contrário, que essas reformas aumentam o desemprego?
Exatamente. Dou como exemplo a
terceirização, que agora pode ser utilizada na atividade-fim. As empresas que
têm empregados atuando na atividade-fim podem terceirizar contratando
empregados terceirizados. Mas para fazer isso têm que demitir os empregados
atuais. Para cada posto de trabalho novo que abre, tem um desempregado novo na
rua. E com um agravante: os empregados que ela despede não podem ser
contratados de novo em menos de um ano e meio, uma quarentena enorme. A
terceirização não vai gerar rigorosamente um posto de trabalho novo. Mais de
cem artigos da CLT foram alterados. Não sabemos exatamente o que vai ser
alterado por medida provisória. Tem um compromisso, supostamente, do presidente
da República em alterar algumas coisas desse texto.
Um dos pontos seria a
questão relativa às mulheres...
A nova lei permite que gestantes
trabalhem em atividades insalubres. Isso é absolutamente inadequado. É muito
bom que faça essa alteração, isso é muito sério. Essa seria uma das alterações
que ele faria. Outra seria a questão do imposto sindical. Mas ontem ouvi que
não, que esse compromisso ele não assumiu. Vamos ter que esperar para ver o que
vai sair daí. Agora, para o trabalhador podemos dizer que os sindicatos vão
perder muita força na negociação. Temos hoje alguns sindicatos que são fortes e
têm legitimidade, representam de fato o trabalhador. Outros, a grande maioria,
não representa coisa nenhuma. A maioria foi criada para se beneficiar do
imposto sindical. No Brasil temos cerca de 17 mil sindicatos, dos quais mais da
metade nunca celebrou uma convenção coletiva. São sindicatos que não
representam nada, nenhuma categoria. Recebem o imposto sindical. Sem o imposto
esses sindicatos menores vão desaparecer e os grandes vão ter muitas
dificuldades de cumprir seu papel, se não tiverem o imposto sindical para
executar suas atividades.
Eu sempre defendi o fim do
imposto sindical, mas acho que isso deve se dar no contexto de uma ampla
reforma sindical, o que precisaria ser paulatino. De um dia para outro,
perdendo essa fonte de recurso, vão morrer de inanição.
Num contexto de
altíssimo desemprego, essa reforma se torna ainda mais dramática, não?
Ela não vai gerar nenhum posto
novo de trabalho. Sobre a ideia de que empresários vão investir muito mais
porque terão segurança jurídica, eu insisto muito no seguinte: a lei não traz
segurança jurídica. Não é a lei, é a interpretação reiterada, uniforme dos
tribunais ao longo do tempo que traz segurança jurídica. A nova lei estabelece
algumas regras que o Ministério Público do Trabalho entende que são
inconstitucionais. Até que o Supremo decida isso, esses dispositivos geram
muito mais insegurança. A lei tem alguns poucos dispositivos com aplicação
imediata e que não vão criar grandes discussões, mas tem outros importantes de
constitucionalidade duvidosa.
Por exemplo?
A questão dos honorários
advocatícios. A questão dos honorários de advogado vai fazer com que os
advogados passem a ser mais cautelosos na postulação da ação porque, se pedem
mil e ganham cem, vão ter que pagar honorário sobre o que perderam. Isso pode
fazer com que, em uma ação em que o empregado ganhe alguma coisa, o que ele
ganhou vai ser utilizado para pagar honorário da parte contrária. Isso vai
estimular um maior cuidado na formulação dos pedidos. Até que o TST decida
reiteradamente num ou noutro sentido, não teremos a segurança de que isso fere
ou não a Constituição, se será seguida pelos tribunais ou não.
A lei traz alguns poucos avanços,
não em benefício de um empregado, mas que são importantes para disciplinar
algumas matérias. Por exemplo, na questão do tempo que o empregado perde na
condução oferecida pelo empregador. A jurisprudência manda pagar como hora
extra. Isso faz com que muitos empresários até bem intencionados decidam não
dar condução e contratar empregados mais próximos da empresa. A lei acabou com
isso (estabeleceu o fim da obrigatoriedade do pagamento pelas empresas das chamadas
horas in itinere, o tempo
que o trabalhador gasta em transporte fornecido pelo empregador). Acho um
avanço, porque, a pretexto de beneficiar o empregado, pode dificultar para
algumas pessoas. Conheço o caso de um empresário que tinha 70, 80 empregados de
uma cidade vizinha e tinha que dar condução. Quando ele descobre que tem que
pagar isso como hora extra, manda todo mundo embora e contrata outros de sua
cidade. É uma avanço, mas não vamos dizer que é um benefício para o empregado.
Óbvio que não.
E qual o impacto da
reforma na Justiça do Trabalho?
Num primeiro momento essa reforma
tem o potencial muito grande de criar novas discussões judiciais. A tendência é
que a gente tenha até acréscimo das ações. Num segundo momento, não vai cair o
numero de ações propriamente dito. O que vai reduzir muito são os pedidos
formulados em cada ação. Hoje o empregado pede 20 ou 30 coisas diferentes em
algumas ações. Em se admitindo que não seja declarada a inconstitucionalidade
da questão dos honorários, com o tempo o empregado vai deixar de pedir verbas
que ele não tem certeza de que vai ganhar. Um exemplo concreto: o empregado fez
muitas horas extras e não recebeu. Procura um advogado e o advogado cauteloso
vai perguntar: “você tem prova de que fez essas horas extras?” Se não tiver,
melhor não pedir. Se pedir e não ganhar o pedido, sobre o valor desse pedido
vai pagar honorário da parte contrária.
As ações vão aumentar
ou diminuir?
Hoje temos no país quase 5
milhões de ações por ano. Mas estudos do CNJ demonstram que metade das ações
são propostas para cobrar verbas rescisórias. É o caso do empregado que é
despedido e não recebe. Essas ações não vão deixar de ser propostas, não
importa se a lei mudou ou não. Essas ações vão continuar sendo propostas. Na
outra metade, pode ser que a médio e longo prazo haja uma redução. Eu diria que
só ao longo de alguns anos a gente vai ter estabilidade razoável a respeito de
como devem ser interpretados os novos dispositivos.
A lei vai regularizar algumas
situações como a questão do trabalho intermitente, por exemplo, que é
apresentada como algo que garante ter registro. Mas de que adianta o
trabalhador ter registro se não sabe quantos dias vai trabalhar por mês, nem se
vai trabalhar, nem quanto vai ganhar. Na verdade isso é uma segurança para o
empresário, não para o empregado. Não estou dizendo que devesse ser assim ou
diferente. O Judiciário não tem que defender este ou aquele movimento da lei,
mas aplicar a lei como está publicada. Isso não me retira o direito de dizer
que os argumentos utilizados para mudar a lei em muitos pontos são equivocados.
Na questão do desemprego, por exemplo, a lei não vai mudar isso, obviamente. É
a alteração da economia que vai trazer novos empregos.
Fonte: Rede Brasil Atual





